O que de mais triste se ouvia na pequena cidade era o sino da igreja a anunciar os mortos. A tristeza tomava conta da casa, do quintal, assomava à soleira da porta. Entranhava-se pelas unhas, roupas, suores, cabelos e anuviava os olhos. Eu olhava o muro da casa descascado. Meus olhos de menina viam o belo onde havia cascas de feridas. Subia feito equilibrista. Olhava o enterro de cima da casa. As meninas mortas tinham minha idade. Morreram abraçadas. Foram enterradas juntas, lado a lado, pois que amizade não tem fim com a passagem. Brincavam juntas pelo cemitério quando todos dormiam. Colhiam flores como quem colhe algodão mocó, branquinho, branquinho. Riam-se tanto e corriam entre os mortos de cá, visto que morrer depende de que lado se está. Eram meninas libertas do corpo: podiam voar. E voavam. Eu vi. Voavam ao som da canção que as perpetuou em memória: “se ouvires a voz do vento, chamando sem cessar...”
CERI TOH
Ceri toh quer dizer Seridó na língua indígena. O historiador Câmara Cascudo escreveu que Ceri toh significa sem folhagem, pouca folhagem, pouca sombra ou cobertura vegetal, segundo Coriolano de Medeiros...Também ouvi de meu pai que significa paisagem desnuda e gosto mais dessa expressão.
Segundo os judeus significa "refúgio Dele", originada da palavra hebraica she ´eritó, assemelhando-se muito com a palavra Seridó.
De qualquer forma, esta palavra está impregnada em mim desde tempos imemoriais...
Segundo os judeus significa "refúgio Dele", originada da palavra hebraica she ´eritó, assemelhando-se muito com a palavra Seridó.
De qualquer forma, esta palavra está impregnada em mim desde tempos imemoriais...
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
CARTA POÉTICA
Como te dizer: noite, morte, escuridão se isso ainda é o que dá sentido a tudo? Teu nome estanca o assovio, o assombro e desperta dois nítidos corpos que atravessam a sala deixando unguento e matizes como rastros do que foi.
Não quero procurar-te como quem se perde, ameaçá-lo como quem espera uma concretude. Sempre te convences. Mas te enganas. Esse inquietante amor abriu-me portas pesadas onde me abrigo. E dentro dessa solidão passeio como quem colhe lírios. Fui mais completa quando tudo me faltou. Encontrei-me quando não mais me reconheci.
Olha ao teu redor...tudo é escombro. Porque és feito de mentira e de soberba. E mesmo que te retorcesse e sangrasse, nem mesmo assim te adiantaria. Porque os teus arredores são de escuras amarras, de amargas partidas, de negras funduras. Não sabes ainda dos teus adversos. Mas quando olhares teus arredores, quando eu te disser “te sei” e quando me disseres “te vejo”, te darás conta do grande e aterrorizante aguilhão que te aprisionas. E nada disso te adiantará. Porque serei tua dor, tua escrita, teu espinho, um punhado de sal sobre teu corte.
“E não haverá mais nada, negro amor.”
terça-feira, 11 de setembro de 2012
REENCONTRO
Marquei o encontro para às três da tarde. Não gosto de
esperas, não sei o que fazer com as mãos deixadas sobre as coxas em total
abandono. Minhas mãos me denunciam e eu não gosto de esperas. Sentei-me no
banquinho da praça e aguardei que ele
aparecesse na esquina da rua com as mãos cheias de papel. Estou escrevendo um
novo romance – confabulou no telefone – gostaria de te mostrar. Penso que este
homem é louco. Enquanto vejo-o se aproximar, lembro do dia em que o conheci.
Cara de escritorzinho barato. Desses que fumam o dia inteiro e bebem coca-cola
sem gás. Dono de um sorriso mágico e de um beijo fantástico. Preciso
experimentar – pensei. Dizem que escritores tem um quê a mais. Uma palavra
decorada do livro de Clarice para dizer naquela hora em que fica difícil
respirar. A frase queima e arrepia a pele. Ele também leu muitos livros sobre o
amor, mais ainda sobre sexo. Deve saber das coisas esse menino com cara de
homem.
Chegou e jogou os papéis no meu colo. Levei um susto, mas ele
sempre foi assim- estabanado com as coisas. Nunca com o corpo. Este, ele
conhece milímetro por milímetro. E o que fazer com os milímetros. Dono de uma
voz rouca quando excitado. Hálito de menta. Cigarro de menta. Lembro do cheiro
da pequena biblioteca onde nos beijamos a primeira vez. Cansei de esperar que ele me beijasse. Enquanto me mostrava sua coleção de
revistas, eu fui olhando hipnoticamente para sua boca e já nem ouvia o que ele
falava, minha imaginação ia à mil imaginando o que aquela boca poderia fazer
calada. Beijei-o demoradamente e fui empurrando-o contra a estante
de livros. Colei em seu corpo. Senti seu desejo. Então escritores também
desejam ardentemente na vida real, que bom. O beijo demorou demais e me desvencilhei
daquela boca com uma desculpa qualquer.
O texto é realmente bom – falei pra quebrar o silêncio. Pedi
um café, ele um suco. (Um suco, oh Deus). Perguntei se eu estava no romance,
ele corou. Sim, eu era a prostituta do livro. Logo uma prostituta? Corei pensando
nas vezes em que namoramos em locais públicos. Sim, ele era um louco e nos
amávamos. Nos bares, nas esquinas, nos becos, nos banheiros públicos. Éramos
loucos, jovens e loucos. Amávamos as noites, os dias, o apartamento. Cheiro de
amor em tudo, até nos livros. Líamos juntos e terminávamos na cama. No
banheiro. No sofá da sala. A barba grisalha mostra que envelheceu um pouco.
Ficou mais bonito. Sua perna roça de leve a minha por baixo da mesa. Olho para
ele e sorrio. Ele baixa os olhos. Sempre me encantou esse baixar de olhos.
Estamos velhos para isso, você não acha? Você continua com os olhos de Capitu –
ele me diz sorrindo. Conversamos sobre a vida, sobre as banalidades depois que
a gente se separou naquela noite fria no lançamento do seu primeiro livro de
poemas. Ele me apresentou um amigo. Eu lhe apresentei uma amiga. Saí cedo, ele
tarde. O amigo me deixou em casa. Minha amiga terminou na casa dele. Na cama
dele. Não nos falamos mais durante anos. Não falamos sobre isso. Meu café
esfria na xícara. O suco esquenta. Eu começo a olhar hipnoticamente aquela boca
que fala, fala e eu nem escuto mais o que diz. E como eu não sei esperar...
Assinar:
Postagens (Atom)