CERI TOH

Ceri toh quer dizer Seridó na língua indígena. O historiador Câmara Cascudo escreveu que Ceri toh significa sem folhagem, pouca folhagem, pouca sombra ou cobertura vegetal, segundo Coriolano de Medeiros...Também ouvi de meu pai que significa paisagem desnuda e gosto mais dessa expressão.
Segundo os judeus significa "refúgio Dele", originada da palavra hebraica she ´eritó, assemelhando-se muito com a palavra Seridó.
De qualquer forma, esta palavra está impregnada em mim desde tempos imemoriais...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010




Não, não venho de família abastarda e de nome bunito. Nem sou fia de algum coroné da região ou barão canavieiro. Sou uma simples Maria da Silva. Nome comum, qui tem chero de vida, de suor e lida. Nasci numa noite escura e dona Tereza, parteira de casa em casa, me ajudou a atravessar as carne escura da minha mãe. Desde então me sinto esquisita. De pá virada. Doida de pedra, como dizem por ai...
Só porque gosto de andar à noite, sentindo o vento frio me bater no rosto? Só porque falo com os bichos e as plantas quando passeio ao ridor da vazante? Conheço gente com custume mais isquisito qui o meu e ninguém fala nada.
Dona Gertrudes, filha do Capitão Nelson anda peladinha dentro de casa em noites de lua cheia e ninguém diz nada. Mas eu sei qui é por queimar demais pelo vaqueiro Justino, um negão de dentes brancos e pele brilhosa qui trabalha como pião nas terras do capitão. O pai nem sonha qui é purisso. Já mandou chamar até doutor da capitá pra tratar do fogo da filha...Se eu fosse esse doutor, acabava agorinha mesmo com essa doença dela. Mas é filha do Capitão Nelson, ninguém fala nada.
Dona Florinda, mulher do delegado, tem mania de reza e de vela. Todos os dia tem qui ir à igreja acender vela prus defuntos e respingar água benta na testa. Não sem antes passar pela barbearia de Seu Godofredo. Sempre faz a caridade de levar um bolim de cenoura pro pobe coitado que não tem mar ninguém pur ele nesse mundo. Todos os dia. Faça sol, faça chuva e ela tá lá, na barbearia do coitado. Dispois, só dispois de comido o bolo, ela vai à igreja pra falar suas oração e acender suas vela. Mas ninguém diz nada purque é mulher do delegado, ninguém diz nada...
Nas arruanças da cidade todo mundo senta nas calçadas à noite para falar da vida alheia. É um chafurdo só. Ainda bem queu nasci nas beiras de açude de seu Lindolfo e daqui nunca sai. Meu pai foi embora inquanto eu ainda era bem piquinininha. Minha mãe dizia qui ele queria fazer coisa feia com ela, coisa do demo e que ela nunca aceitô. Ele se foi dizeno qui ela era feiticêra, qui num era mulher. Depois qui ela morreu, fiquei morando suzinha, suzinha não, eu e Deus.
Entonce fico aqui oiando esse hurizonte cheio de pó e pedra, de silêncio e sulidão. Num quero ser biata, num quero casar, num quero amancebar. Só quero sair purai de noite, na lua cheia, passiano pelos terreiro, ouvindo as curuja, até essa febre baixar. Se alguém acha qui é loucura ou quintura de mulher sozinha, num ligo. Sou filha de Zé ninguém, minha mãe morreu faz tempo, num devo nada a ninguém.