Marquei o encontro para às três da tarde. Não gosto de
esperas, não sei o que fazer com as mãos deixadas sobre as coxas em total
abandono. Minhas mãos me denunciam e eu não gosto de esperas. Sentei-me no
banquinho da praça e aguardei que ele
aparecesse na esquina da rua com as mãos cheias de papel. Estou escrevendo um
novo romance – confabulou no telefone – gostaria de te mostrar. Penso que este
homem é louco. Enquanto vejo-o se aproximar, lembro do dia em que o conheci.
Cara de escritorzinho barato. Desses que fumam o dia inteiro e bebem coca-cola
sem gás. Dono de um sorriso mágico e de um beijo fantástico. Preciso
experimentar – pensei. Dizem que escritores tem um quê a mais. Uma palavra
decorada do livro de Clarice para dizer naquela hora em que fica difícil
respirar. A frase queima e arrepia a pele. Ele também leu muitos livros sobre o
amor, mais ainda sobre sexo. Deve saber das coisas esse menino com cara de
homem.
Chegou e jogou os papéis no meu colo. Levei um susto, mas ele
sempre foi assim- estabanado com as coisas. Nunca com o corpo. Este, ele
conhece milímetro por milímetro. E o que fazer com os milímetros. Dono de uma
voz rouca quando excitado. Hálito de menta. Cigarro de menta. Lembro do cheiro
da pequena biblioteca onde nos beijamos a primeira vez. Cansei de esperar que ele me beijasse. Enquanto me mostrava sua coleção de
revistas, eu fui olhando hipnoticamente para sua boca e já nem ouvia o que ele
falava, minha imaginação ia à mil imaginando o que aquela boca poderia fazer
calada. Beijei-o demoradamente e fui empurrando-o contra a estante
de livros. Colei em seu corpo. Senti seu desejo. Então escritores também
desejam ardentemente na vida real, que bom. O beijo demorou demais e me desvencilhei
daquela boca com uma desculpa qualquer.
O texto é realmente bom – falei pra quebrar o silêncio. Pedi
um café, ele um suco. (Um suco, oh Deus). Perguntei se eu estava no romance,
ele corou. Sim, eu era a prostituta do livro. Logo uma prostituta? Corei pensando
nas vezes em que namoramos em locais públicos. Sim, ele era um louco e nos
amávamos. Nos bares, nas esquinas, nos becos, nos banheiros públicos. Éramos
loucos, jovens e loucos. Amávamos as noites, os dias, o apartamento. Cheiro de
amor em tudo, até nos livros. Líamos juntos e terminávamos na cama. No
banheiro. No sofá da sala. A barba grisalha mostra que envelheceu um pouco.
Ficou mais bonito. Sua perna roça de leve a minha por baixo da mesa. Olho para
ele e sorrio. Ele baixa os olhos. Sempre me encantou esse baixar de olhos.
Estamos velhos para isso, você não acha? Você continua com os olhos de Capitu –
ele me diz sorrindo. Conversamos sobre a vida, sobre as banalidades depois que
a gente se separou naquela noite fria no lançamento do seu primeiro livro de
poemas. Ele me apresentou um amigo. Eu lhe apresentei uma amiga. Saí cedo, ele
tarde. O amigo me deixou em casa. Minha amiga terminou na casa dele. Na cama
dele. Não nos falamos mais durante anos. Não falamos sobre isso. Meu café
esfria na xícara. O suco esquenta. Eu começo a olhar hipnoticamente aquela boca
que fala, fala e eu nem escuto mais o que diz. E como eu não sei esperar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário